Encaixes e cerco a Daniel Alves: a bem-sucedida estratégia de Abel para vencer o São Paulo. Assim como contra River Plate e Santos, o treinador do Palmeiras mais uma vez muda o time num jogo eliminatório.
Muitas vezes, esquecemos que treinadores de futebol são, antes de tudo, humanos. Têm defeitos, qualidades, erram e acertam. Abel Ferreira é um deles. No 3 a 0 do Palmeiras sobre o São Paulo, na Libertadores, o treinador mais uma vez acertou com uma estratégia que foi preponderante para a vitória.
O time titular teve apenas uma alteração: Wesley entrou no lugar de Breno Lopes, e o Palmeiras jogou no mesmo 4-2-3-1 da partida contra o Morumbi. Por isso, a mudança foi na estratégia, na maneira de jogar sem a bola. Tudo começou na mente de Abel, que pensou num jeito de impedir que o São Paulo, que foi melhor no Morumbi, acionasse Daniel Alves e criasse muito a partir dos lados.
O São Paulo é uma equipe que defende e marca de maneira diferente de muitas equipes aqui no Brasil, faz marcação individual quase que o campo inteiro. Aos pouquinhos fomos percebendo como podíamos desmontar o nosso adversário.
— Abel Ferreira, após o jogo contra o São Paulo
A primeira mudança foi de postura: o Palmeiras marcou de forma avançada, com pelo menos cinco jogadores no meio-campo. Uma agressividade sem a bola que teve como ponto de partida os encaixes de marcação. Não é perseguição individual: cada jogador do Palmeiras tinha um alvo, que deveria ser acompanhado de perto, criando sufoco mesmo, até uma determinada parte do campo.
Toda vez que o São Paulo saía para o jogo, o Palmeiras avançava e marcava assim: Rony vigia Miranda, Veiga ficava no Léo e Dudu acompanhava Luan. Como o São Paulo gosta de jogar pelo chão a partir dos volantes, Danilo e Zé Rafael, jogadores com maior capacidade de bote, vigiavam Gabriel Sara e Nestor, os pensadores e criadores do Tricolor.
Percebeu que Arboleda ficava livre? Foi proposital. Com esse encaixe bem desenhado, Abel neutralizou o forte lado esquerdo do São Paulo, por onde saiu o gol do duelo de ida, e forçou as jogadas pela direita, com o zagueiro com menor visão de jogo – Arboleda.
Só que na direita estava Daniel Alves, campeão olímpico e referência técnica do São Paulo. Abel também tinha um plano para ele: Wesley acompanhar Dani até o fim, quase que como um lateral. Assim, o Palmeiras impedia que ele conectasse Pablo, Rigoni e quem circulasse para receber a bola de seu jogador mais talentoso.
Não só isso: ao fazer Wesley marcar Daniel Alves, Abel fazia com que a defesa do Palmeiras tivesse superioridade numérica contra a dupla de atacantes do Tricolor: Renan, Gómez e Luan contra Rigoni e Pablo. Cobertura para limpar uma jogada, caso todo o plano falhasse.
Até aqui, você leu um plano elaborado de marcação. Ou seja, futebol defensivo. Mas lembre-se: a forma como um time marca influencia na forma como essa mesma equipe ataca.
O Palmeiras travou tão bem o São Paulo que teve muita facilidade para recuperar a posse. Só no primeiro tempo foram sete recuperações, com quatro chances criadas a partir delas. Uma delas foi justamente o gol.
Lembra que Abel deixou Arboleda avançar de propósito? Para ele ter a bola, ficar confiante e ir para frente? Pois bem: ele foi tanto pra frente que não percebeu Zé Rafael se deslocando em suas costas, o que desorganizou toda a defesa, gerou o erro individual de Daniel Alves e deu espaço para Veiga finalizar a gol.
As coisas estão conectadas!
Quando o Palmeiras trabalhava mais a posse, era Dudu quem se deslocava e criava confusão na defesa. Autor de um golaço, ele buscava o jogo dos volantes e levava novamente Arboleda para fora da defesa. Wesley, que você pode chamar de assistente de lateral, se projetava nesses momentos. E novamente criava confusão em Daniel Alves.
Crespo acerta na lógica com mudanças no segundo tempo
Você é técnico por um dia: e aí, o que faria, no lugar de Hernán Crespo, pra sair desse emaranhado tático que Abel Ferreira planejou?
A resposta não é fácil, mas algo é certo: o São Paulo não perdeu por causa de Benitéz. O argentino leu bem o jogo e sua mudança ocasionou os melhores 20 minutos do Tricolor nos dois jogos. O São Paulo saiu do 4-4-2 e foi para um 3-5-2 mais nítido: Rojas bem aberto pelo lado direito e Gabriel Sara pelo esquerdo. Por dentro, Daniel Alves mais próximo dos zagueiros, fazendo a conexão com o ataque, como na imagem.
Era tudo ou nada. Do jeito que o Palmeiras estava intenso nos encaixes, o Benítez não ia tocar na bola direito. Ele não é cara de vir buscar, é de receber parado. Ainda mais sem condições físicas, como o treinador deixou claro na coletiva.
É normal discordar, mas fato é que Crespo não tem culpa se Pablo perdeu um gol feito e, logo em seguida, Dudu tratou de jogar o emocional contra o São Paulo com o segundo gol. O terceiro, de Patrick, foi o típico gol de um time mais confiante, que lê melhor o espaço do que outro afobado, buscando desesperadamente o resultado.
Abel acerta muito mais que erra no Palmeiras
Com dez meses no Palmeiras, o saldo de Abel é muito mais positivo que negativo, e não justifica críticas e pedidos de demissão após eliminações.
São duas semifinais de Copa Libertadores, uma Copa do Brasil e uma final de Paulistão. Todos eles com mudanças estratégicas, que vieram da mente do treinador, como a que você acabou de ler. Como é que pode achar um trabalho desses ruim? Há erros, como a falta de evolução do time na Recopa e na Supercopa, e a pobreza contra o CRB. Mas não falta repertório, trabalho e qualidade num elenco que basicamente é o mesmo do ano passado.
Se todo mundo erra e acerta, é sempre preciso colocar as coisas na balança. Aquela linha de cinco contra o River Plate e a mudança no papel dos volantes na final contra o Santos se unem a mais uma mudança estratégica que aproximou o Palmeiras da vitória num jogo decisivo.
Assista os melhores momentos da partida:
Com informações do Ge.Globo.